segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O HOMEM QUE SE REENCONTROU CONSIGO MESMO



Serjei considerava-se um mistério para ele mesmo. Seu raciocínio não conseguira entender as próprias reações. Fatos que ocorreram sem que ele soubesse se aquilo era escolha dele, ou de algum fator externo, aquilo que algumas pessoas chamam de “força do Destino”.

Inobstante, Serjei percebia sua real situação ainda que nebulosamente. Não sabia as origens de sua queda. Era um homem solitário caminhando num túnel, sem nunca vislumbrar uma porta de saída. Só de uma coisa ele tinha certeza: faria tudo o que fosse possível fazer para continuar respirando neste mundo.

Durante a tarde fora ao encontro do traficante, ele recebera dois telefonemas para acertar as contas. Andava atrasado no pagamento das pedras de crack. Pedira um vale à dona da casa em que trabalhava na limpeza de sanitários e varredura de pátios.

Não conhecia a patroa, sabia apenas que era muito procurada por gente graúda, principalmente políticos e artistas. Trabalhava apenas na parte da manhã por sentir-se exausto e sem forças.

O pouco que ganhava dava apenas para o sustento do vício sem o qual a vida não lhe seria possível. Seus 29 anos já lhe pesavam nas costas. Começara a drogar-se com cocaína aos 24 anos, quando ainda tinha família e dinheiro. À medida porém, que seus recursos se foram esvaindo e perdeu seu segundo emprego, decidiu privar-se da droga.

O tempo em que conseguiu manter-se abstêmio durou pouco mais de um mês. Fazia tempo não se comunicava com a mãe, haviam brigado quando ele pediu adiantada a mesada que recebia a cada dia 30. Xingaram-se. Sentindo-se gravemente ofendida ela o expulsou de casa. Foi quando soube da vaga de auxiliar de limpeza.

O CRACK ERA MAIS BARATO E ÍA FUNDO NELE

Controlava a dependência de droga com 8 pedras entre a tarde e a noite. Os sonhos eram povoados de pesadelos, quando caminhava por bairros escuros, muros e casas inacabadas. Ouvia gemidos e urros de criaturas que só avistava ao longe. Ou grupos cruzando ao longe com alguém gritando na frente.

Nesse mar de incertezas algo de novo aconteceu quando certa manhã, estava findando a varredura do pátio, a dona da casa, que rarissimamente andava pelo quintal acercou-se dele e puxou conversa depois de observá-lo longamente.

“-Quanto tempo você trabalha aqui?” Depois de encará-la timidamente, Serjei respondeu: “- Três meses.”

Depois de conversarem por alguns momentos a proprietária, que era conhecida como médium Andréa, pergunta-lhe: “- Você anda abatido por algum problema? Serjei respondeu desconfiado: “-Não. Por que me pergunta?” Então a médium respondeu: “- Por ser curiosa. Mas posso dizer que você anda consumindo drogas”. Surpreso, o jovem diz: “- Como pode saber?” Andréa responde: “- Não sei se você sabe, sou médium há muito tempo. Enxergo coisas que os outros não enxergam e estou vendo em sua aura a cor que exala dos usuários.”

O medo logo se estampou nos olhos de Serjei: “- A senhora vai me mandar embora?” A médium percebeu o espanto de Serjei e lhe diz com voz calma: “- Não estou dizendo isto. Vejo apenas que você está precisando de ajuda.”

Com olhar distante de quem busca algum escape, ele confessa: “- Sim, há tempos eu me prometo sair do vazio desta vida. Gosto de estar na sua casa e sei que pode me despedir a qualquer instante. Há cinco anos carrego a cruz do vício que primeiro levou-me a mulher amada, depois me apartou de dois empregos e, há pouco tempo, me afastou da única pessoa que me sustentava, minha mãe.

Pressentindo-lhe uma crise depressiva, Andréa fala com visível serenidade: “- Prefiro que você se mantenha calmo. Sei que já foi uma pessoa com recursos e depois perdeu a posição social. Mas a intuição e as vozes que ouço estão me dizendo que, por outro lado, você tem uma potencial capacidade de recomeçar. Todos tem, embora muitos não se conscientizem disto. Sei que sua vontade de libertação é grande, mas ainda não percebeu o caminho de volta. E isso você também pode alcançar afinal.”

Ao que Serjei retrucou com certo esforço: “- Uma das poucas causas que resta em mim é a vontade de algum dia me libertar do vício, para sempre. Mas ele está tão forte em mim que não sei como irei me reerguer disso.”

Andréa se condoeu diante da sinceridade do jovem que, de um modo repentino, lhe pedia socorro. Havia uma lágrima. Enxugou. Ela fixou fundamente o olhar do rapaz e falou-lhe: “- Tenho tido crescente experiência com a dor e as quedas do ser humano. O que lhe pergunto agora é se você quer utilizar a força interior que todos temos dentro de nós. Potenciais escondidos na sua mente.

O assunto despertou súbito interesse no rapaz, que indagou: “- Você está falando em força de vontade? Essa já caiu.”

“-Não é bem isto, mas é parecido. Trata-se de conversar com o próprio Espírito que há em nós. Ou seja, nossa mente conversa com nosso espírito, porque a sua mente refletiu e quer uma saída para a dificuldade, mas a alma continua, fluindo no vício e viaja com luz apagada em rua escura.

A fisionomia de Serjei pareceu iluminar-se: “- Certa vez fiz um tratamento nos ‘Narcóticos Anônimos’ de Gorski, sua auto estima melhorou, mas minhas defesas estavam fracas e eu abandonei o grupo. Mas este tipo de tratamento ainda não conheci.” A médium ajeitou o óculos e acrescentou: “- Tratei do caso de um rapaz que também mergulhara no vício por dez anos e foi preso por ter traficado para manter a dependência química. Quando o vi pela primeira vez no meu centro de orientação, ele se achava na mesma situação e lhe propus este tratamento. Levou algum tempo para quebrar as algemas, mas ele alcançou a vitória e agora já constituiu família.”

Interessado, Serjei perguntou: “- No meu caso, como devo fazer? Oro a Deus de joelhos para que me ajude por misericórdia. Como se estivesse no mar e as ondas não me deixassem chegar à praia.”

Andréa busca expressar-se com simplicidade: “- Você já sonhou vendo-se num lugar estranho e falando com pessoas que nunca viu? São espíritos com os quais você se encontra enquanto seu corpo repousa na cama. Todos nós somos dois em um. Temos de buscar objetivos e amigos sábios durante a vigília. Nem que tenhamos que bater em mil portas. Confiemos em Deus. Alguém nos há de ajudar. Sozinhos nos fragilizamos. Lembre-se das palavras bíblicas de Jesus: “- Buscai e achareis.”

Serjei, com espanto, insinua: “- Só isto?” A médium responde: “- Não, durante a vigília você, nas horas em que esteja sozinho, converse com sua alma! Diga-lhe, por exemplo: - O que eu e tu até hoje ganhamos com o vício? Tem sido um sofrimento atrás de outro. Se não pudermos melhorar os cuidados com nosso corpo, perdemos a vida e o corpo irá pro cemitério. Só o corpo, porque a mente no espírito permanece viva. Enquanto o corpo se esvai em podridão e cinzas, o que nos resta será buscar as bocas de fumo desta cidade, para sorvermos as exalações dos viciados para sentirmos algum alívio para a aflição.” É na vida e não depois da morte que precisamos vencer nossos vícios e inferioridades.

Serjei, que havia sentado no degrau do canteiro do jardim se ergue num átimo e intervém: “- A senhora está dizendo que eu trouxe o vício de outra vida?”

“- Ninguém morre e aí está o segredo que poucos descobrem. Quem decifra este enigma clareia a mente e se descobre o sentido das vidas sucessivas. Voltar ao palco da vida é uma lei cósmica, sendo um erro das religiões envolverem esta lei em misticismo. Ela é tão real como a da gravidade. O vício pode atravessar vidas sucessivas. Cada drogado é um suicida sem pressa.”

Serjei diz: “Até creio que tenhamos alma, mas a minha, vejo-a qual um vulto inconstante caminhando em espesso nevoeiro.”

Andréa torna a falar: “É você mesmo que assim se enxerga. Para que aches o caminho tens que buscar luz que dissolve esse nevoeiro. Poucos os que se convenceram disso e despertaram para o verdadeiro sentido da vida, seja qual for a crença que tenham. Freud foi a criatura humana que mais fundo mergulhou nas profundezas do inconsciente e de lá voltou sem ter encontrado nem a própria alma. Revelou tudo que descobriu.Foi autoritário nas negativas do que não percebia. Finou-se com morte assistida para poupar-se das dores de um expandido câncer bucal.”

Serjei, sabendo-se incontrolável, costumava desativar seus impulsos sob o efeito da pedra. Em alguns dias, tinha ímpetos de matar quem quer que o impedisse de drogar-se. Achava que matar era mais fácil que roubar para conseguir dinheiro.

Sabendo que Serjei não podia pagar-lhe, a médium disse: “- Amanhã venha a consulta. Tenho algo para tranquilizá-lo.”

No dia seguinte, Serjei foi o primeiro a chegar ao consultório. Várias pessoas importantes na vida social chegaram em seguida à sala de espera, assim ele foi logo chamado: “- Vamos direto ao assunto... Como passou a noite?”

“- Só sei que dormi.”

Diz-lhe a médium: “- O que vou contar agora talvez você não acredite. O espírito que está sempre comigo neste consultório de orientação me disse que, ontem a noite, você foi deitar-se sem cachimbar pedra e logo adormeceu. Falou-me que apanhou sua alma, convencendo-o a segui-lo. Andaram por lugares escuros e tenebrosos. O terreno era lodacento. Alguns tinham os órgão sexuais espichados, tocando o chão. Muitas pessoas choravam e suplicavam socorro. Uns apresentavam feridas abertas, ou mantinham compridas línguas boca abaixo, como se estivessem enforcadas. Outros vomitavam alguns venenos vindos do estômago. Passaram por uma região em que árvores desfolhadas queimavam lentamente.

Após longa caminhada cruzando comprido pântano, chegaram a uma casa com buracos nas paredes e no telhado. Havia um estrado esfiapado no qual várias pessoas estavam deitadas ou sentadas e você teve a grande surpresa da sua vida. Ao chegarem no último recanto do quarto, você sentiu um nó na garganta ao reconhecer que havia encontrado seu pai, o grande amigo que faleceu quando você tinha onze anos.”

Serjei encarou fundamente os olhos da médium e murmurou: “- Como você sabe que chorei com saudades do meu pai?”

Andréa percebeu o espanto e tentou acalmá-lo: “- O Espírito me contou. Você lembra o que conversaram?” Ante a negativa de Serjei, Andréa continuou: “Você abraçou entre lágrimas o pai querido e uma onda de felicidade invadiu seu peito e mais lágrimas verteram quando ele lhe disse: ‘- Filho, sei que errei muito e estou me preparando para pedir o grande perdão. Falhei como pai e como responsável. Entreguei-me ao álcool, à vida boêmia dos suetos de Gorski, morri e aqui estou em solidão. Supliquei ao Pai que me permitisse ver-te e abraçar-te, sabendo que também estás algemado ao vício das tabernas da Terra. Filho eu te suplico larga isso enquanto há tempo. A vida continua e aqui a colheita é amarga.

Pedi ao Criador que te ajudasse a vencer as drogas para não teres o mesmo calvário que me aprisiona neste lugar horrendo e quente. Faz isto em memória de teu pai que, apesar de tudo, ainda te ama. Me abraça...”

Enquanto Serjei enxugava a face, Andréa intercalou um prolongado momento de silêncio e afirmou com voz firme: “- Este não foi só um sonho. Houve um real reencontro de almas muito antigas, entrecruzadas pelos caminhos da vida.

Pôs na cabeça o gorro, após obter de Andréa permissão para voltar mais vezes ao consultório sorriu pela primeira vez em anos. Surgia uma nova esperança. Agora teria forças e ajuda para se desalgemar do crack. No fim da rua, retirou do bolso 6 pedras escuras jogando-as nas águas sob a ponte. Deus e seu pai lhe despertaram forças infinitas.

Três dias após, Serjei voltou ao consultório da médium. Ela ensinou-lhe a técnica de concentrar-se para falar com o inconsciente. De olhos fechados no início Serjei balbuciava, mas ao aprofundar o transe ouvia alguém que lhe respondia: “- O que acha você do sonho daquela noite?” Serjei responde calmo: “- Não sei do sonho, mas abracei meu pai e ele disse que me ama.”

Súbito o diálogo muda e Andréa indaga: “- Por que você como Espírito traz a pele escura?

Resposta de Serjei: “- A pedra é escura!”

Com voz firme Andréa pergunta: “- Depois de tantas vidas o que você ganhou com as drogas?”

“- Nada. Só perdi!” Diz Serjei.

Fala Andréa: “- Você é inteligente e não percebe que isso é ilógico?”

Serjei, infantilmente, coloca a mão na boca e responde: “- Já me fiz esta pergunta. O que não consigo é deixar a droga. Meu corpo queima por dentro.”

Seu pai não lhe fez uma súplica?

Houve silêncio de alguns instantes, depois Serjei retrucou: “É minha última chance. Tenho que tomar a decisão.”

A médium finalizou dizendo: “- Lembre-se do que você acaba de dizer. Comumente, a alma leva algum tempo para despertar e seguir as decisões da mente consciente. Tenho esperança em sua recuperação final. Nunca esqueça de que a vida continua após esta vida e que é preciso rezar a Deus.”

Foi a volta de um amor que você tinha como perdido para sempre. Você pôde comprovar que a morte não existe - diz Andréa.

Serjei acrescenta com voz baixa: “- Iria a qualquer lugar do mundo para abraçar meu pai. Senti até o roçar de sua barba. Os viciados passam quantos anos no inferno?”

A médium fala: “- Algumas passam poucos anos. Outros permanecem por muitas décadas. No umbral não tem tempo nem calendário.”

PALAVRAS AO LEITOR

Serjei teve ainda duas recaídas antes de firmar-se com êxito na terceira tentativa. Após consolidar sua recuperação, Serjei enamorou-se e casou com a filha de Andréa.

A solução para a enorme variedade de vícios no mundo, só encontrará êxito quando incluir prioritariamente, pela elevação das almas.

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