segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

CRESCENDO PELA DOR

Aquele que perdeu o sentido da vida e se reencontrou

Quando esta história começa ao tempo dos Czares, vamos encontrar dois personagens, entre os principais destes episódios, conversando num restaurante de Gorski e precisamos configurar o histórico dos dois interlocutores. Frente a Lia temos Dimitri, um ator que encantava as mulheres. Ele tinha charme. Ela era mais terna e comedida. Filha de pais camponeses gostava de animais, plantas e pássaros e resguardava o lado romântico que remanescia nela. Algo novo acontecia com o sentimento de Lia: ela encantou-se com a personalidade de Dimitri. Ele personificava o sonho de adolescente de Lia.

Devido as dificuldades emocionais que enfrentara na juventude e início da mocidade, ela sentia-se com capacidade de amar alguém que a despertasse intimamente. E sentia ânsias para que isso acontecesse desde logo. Inobstante, cedo descobriu que havia pedras naquele caminho de sonho. E a preocupação girava em torno da descoberta que fizera: às escondidas ele se interessava pela melhor amiga que tinha. E a pior estava por vir.

Quando ele soube que Lia estava grávida, falou-lhe que isso não era previsto e que eles teriam de separar-se. Ele viajaria para uma cidade distante. Lia tornou-se profundamente deprimida pela frieza de Dimitri, ela daria tudo o que tinha para não perder o companheiro que a vida lhe dera. Mas e o bebê? Ela vomitara e tinha acessos de febre naquela tarde. Guardava a certeza de que preferia perder qualquer coisa ou valor no mundo, nunca perder o amor da sua vida. Tudo perderia o sentido. Tinha que vencer o duplo desafio.

Embora longinquamente, Lia começava a perceber que nesta vida não existe a felicidade perfeita, nem o relacionamento ideal, tudo vem misturado, a existência humana na Terra é uma caminhada inóspita que busca o ideal que só existe em outros mundos que não o nosso. Pela primeira vez começava a perceber a fantasia expandida que trazia na mente, como que a encobrir claramente a realidade que ela se recusava aceitar.

Lividez e olheiras na fisionomia assinalavam-lhe a preocupação. Seria verídica sua pretensão de deixá-la? Se ela acalentava tanto amor pelo eleito, será que ele não tinha algum sentimento? Seria só uma atração pelo seu corpo, atração que notara ter diminuído de intensidade nos últimos tempos? Era um enigma acima de suas forças e Lia precisava fundamente entendê-lo. Não queria se desesperar mais.

Quando a palavra separação surgiu na conversa, lágrimas de sentimento escorreram pela face. Onde encontraria uma alternativa? Espantado pelos soluços, primeiramente Dimitri silenciou, afagou levemente seus cabelos e disse-lhe com voz ensaiando ternura:

- Tem algo que talvez possa prolongar ou anular a minha partida.

Estas palavras despertaram o interesse de Lia em ouvi-lo. Haveria algo que pudesse mudar o gelado coração daquele que amava e que a vida lhe jogara no colo?

Dimitri mostrou-se impiedoso nas palavras fragmentadas que enfocaram sua desmedida imposição: se ela queria mesmo que continuassem o relacionamento, tinha que abortar a criança que iria nascer. Que ela lhe desculpasse, mas... não queria ser pai... Não estava preparado... na família... não iriam aceitar... Disse que gostava dela... mas... não estava pronto. Teria sido essa a fala dele ou interpretara confusamente suas palavras. Não acreditava.

Enquanto Lia ouvia contrita e espantada, pareceu que o chão lhe fugia dos pés. Com instinto materno ferido à flor da pele, ela continuava relutante em conscientizar-se que seu sonho deveria morrer. Imaginava que um filho lindo prenderia e enterneceria o coração e o sentimento de Dimitri quando enxergasse o filhinho em seu leito. Refletia consigo mesma: “Qual o pai que não sente o peito visitado pela ternura ao ver o filho recém nascido?” Lia ainda não conhecia as estultices maldosas do coração humano.

Não basta ser indulgente e ter boa vontade. É preciso aceitar com coragem lúcida os desafios da existência. Milhões de vidas se perdem por falta de informações prévias. No mundo dos comunicantes isso parece um paradoxo, não é?


Será desnecessário descrever tudo o que Lia sofreu nas 3 primeiras semanas seguintes ao encontro no restaurante. De um lado pela sua formação ortodoxa, ela não poderia entregar seu corpo às violências de um aborto. Também queria muito ter um lindo e saudável bebê que seria muito amado, principalmente sendo fruto do homem a quem dedicava as virtudes e sentimentos da sua inexperiente alma.

Ela entrara no quarto mês de gestação e sentia arrepios pelo corpo só em imaginar os conflitos familiares que eclodiriam na sua existência, desprotegida pela intensidade do amor que sentia por Dimitri. Lembrava com íntima dor expandida, as últimas palavras do eleito por sua alma: “Ou esse nascimento ou eu!”. Que faria ela em tão cruel encruzilhada, sem nem ao menos o respaldo de uma terceira opção? Não se permitia julgar a inclemência do amado. Para ela, Dimitri era a síntese da perfeição deste mundo! Se algo parecia errado, o erro tinha que estar nela. Mas por que a vida é assim? Por que os amigos de escola em plena mocidade casavam no altar e ganhavam os filhos que desejavam? Por que ela, contrariando hábitos e conteúdos familiares, por exigência de Dimitri, teve que entregar-se a ele num antihigiênico quarto de hotel, sem véu de noiva e flores aos pés do altar?

Mas esse conflito interior não era o ferimento principal: o pior é que ela assistia o crescimento do embate e, para não perder Dimitri ela daria a própria vida. Jurava que não poderia viver sem ele, ela começava a ceder no aceitar a idéia de concordar com a interrupção da gravidez. Seria um menino, uma menina? Já sentia em seu ventre os primeiros movimentos do serzinho que já adorava sem conhecer.

Sim, esse serzinho precisava de toda a proteção, mas por outro lado, tinha que inclinar-se perante as determinações de Dimitri. Ela não poderia morrer. Agonizava-se com a fantasia de ser entregue a uma parteira particular, onde alguém a sedaria e ela nada veria. Sem querer apartar-se das derradeiras esperanças, surgiu-lhe a idéia de procurar o noivo querido e, quem sabe, envolvê-lo com expandidos carinhos, alcançar que ele mudasse de posição? Certa vez tinha ouvido falar de casais que mudaram de idéia e deixaram vir à luz o fruto multiplicador da vida. Para manter esse amor, que preço deveria pagar à vida?

Conhecia o endereço de Dimitri, que morava com os pais em outro bairro. Como ele não se manifestava, na manhã do 30º dia, decidiu que iria procurá-lo. Já não dormia, sentia refluxos no estômago e, olhando a natureza na primavera que chegava, aninhou nas entranhas a esperança que poderia salvá-la, e talvez fossem felizes para sempre. Foi então à residência de Anastácia, uma amiga de infância, que lhe ajudara na maquiagem que iria remediar a nuvem de tristeza que estampava no rosto. Disse à amiga apenas que queria ir bem bonita à casa de Dimitri, que tinham brigado, mas ela queria retornar.

E lá se foi Lia pela estrada de calçamento desalinhado que conduzia ao bangalô de Dimitri. Pediu à empregada que veio atendê-la que precisava falar urgente com Dimitri. A serviçal perguntou-lhe o nome e falou que Dimitri não tinha acordado, que chegara tarde e que só poderiam se falar se ela esperasse.

“- Eu espero.” - Lia replicou algo desapontada.

E ali deixou-se ficar por quase meia hora, quando a mesma mulher surgiu no corredor e, chegando na porta falou-lhe:

- Olha, ele disse que se o que combinaram aconteceu, ele vem lhe receber. Do contrário, você pode ir embora.

Se alguém naquele instante lhe desse um tiro no coração, ela não sofreria tanto. Desejando morrer, Lia arrastou-se até a casa de Anastácia, onde desmaiou ao chegar.

Como pode um coração humano ultrapassar os limites da simples não-compaixão? Sempre há algum tipo de crueldade nos corações sem amor. Ela lembrou-se de orar, mas achou que não iria adiantar.


Assim que acordara, Anastácia lhe contou o que acontecera ao vê-la caída. Lia disse à amiga que era um mal passageiro e pediu para ficar um pouco em sua casa. A amiga imediatamente concordou, queria ajudá-la. Na tarde do 3º dia, Lia ausentou-se da casa, foi ao banco retirar uma economia de quando trabalhava e, de lá, dirigiu-se ao endereço que tinha na carteira, e que tanto temia: o da parteira particular.

Vamos poupar ao leitor o desgaste da transcrição do que aconteceu nas quatro horas seguintes. Embora destituída do fruto de seu ventre, Lia não voltava a si, ainda entorpecida pelo efeito da anestesia. Ao dar início a um estado de pré-coma, um taxista que trabalhava para a casa, levou a senhora para o hospital do Estado, informando que a encontrara na rua, desmaiada e mal a conhecia. Levada para a emergência, ficou constatada a abalada intervenção que sofrera no ventre.

Lia ficou internada por 29 dias até receber alta com medicação que deveria ser mantida por 15 dias. Voltou à casa de Anastácia e ali sentiu-se novamente amparada. Contou à amiga, em segredo, que se submetera à operação clandestina mas não falou em Dimitri. Que ela a perdoasse em nome da antiga amizade.

O gênio alegre da amiga ajudou-a muito no restabelecimento da saúde. Assim que sentiu-se mais animada, na manhã de domingo trajou-se com seu melhor vestido e daí a duas horas estava ela à porta da casa de Dimitri. Se conseguisse resgatá-lo para si, tudo o que vivenciou nas semanas de horror, tinha valido a pena.

Agora lembrava das orações que sua mãe lhe ensinara para rezar e pedia a Deus duas coisas na vida: que a perdoasse pela dolorosa perda cometida, e que pudesse logo adiante ganhar muitos filhos saudáveis junto com Dimitri. Certa vez seu pai disse que o ser humano guarda em si infinita capacidade de recuperação.

Lembrava que ninguém jogue a primeira pedra nos impulsos que determinam desastres. Quem não precisa de perdão?

A empregada veio abrir a porta e surpreendeu-se por vê-la. Quando pediu à serviçal que chamasse Dimitri, ela, retirando do armário um papel sentenciou com voz áspera:

- Dimitri mudou-se daqui. Deixou-lhe esta carta.

Pálida e trêmula por dores recorrentes, Lia quase não conseguia ler os desalinhados garranchos de Dimitri. A serviçal então leu para ela:

“Lia,

Tenho que mudar de região. A polícia está no meu encalço. Não posso ter ninguém e viverei como foragido. Adeus.

Dimitri”

Uma sentença de morte não lhe causaria tanto abalo. Com o sangue a refluir-lhe ao coração, Lia sentou-se no degrau da porta. A serviçal, prevendo que ela iria desmaiar, convidou-a para entrar e sentar. Sentou-se à frente de Lia e disse:

- Você não sabe do escândalo que aconteceu?

Ante a negativa de Lia, ela prosseguiu:

- Deu nos jornais... Dimitri traficava drogas e, ao ser preso, conseguiu fugir. Os policiais vieram aqui poucas horas depois da fuga, revistaram a casa, encontraram muitos envelopes de cocaína e prenderam seu pai por ocultação de drogas, e o velho ainda está preso. Na madrugada do dia seguinte Dimitri veio até cá, juntou suas roupas e, ao tomar o táxi, disse a sua mãe: “- Vou embora e não volto mais. Beije seu filho pela última vez”. Escreveu este bilhete e disparou para o táxi. Ele está bem louco!

Há notícias que podem agir dentro de nós qual se fossem um punhal afiado penetrando as fímbrias do coração. Para Lia aquele bilhete equivalia à decretação de sua lenta extinção.


Lia foi hospitalizada, novamente, após o violento choque das notícias sobre Dimitri. Desta vez a recuperação teria que ser lenta e sofrida. Dentro dela forças da vida e de morte se alternavam até a exaustão. No período de maior depressão Lia começou a dizer para si própria: “Tenho que sobreviver. Lembrava de sua mãe quando, durante o tratamento de um câncer mamário que nela se entranhara, dizia no leito: Tenho que sobreviver. Deus me dará forças.” Só ao fim do inverno ela conseguiu alta do hospital. Nas três primeiras semanas esteve próxima de morrer. A partir de então o organismo combalido começou a reagir, lentamente voltando à vida. Teve muito tempo para refletir sobre os rumos picantes que sua vida tinha seguido. Um sacerdote ortodoxo visitava-a semanalmente e, na enfermaria coletiva, outros pacientes recuperavam-se.

Às quartas-feiras e domingos à tarde, recebia a visita de Anastácia e Marieta, a mãe que viera do interior. O movimento de enfermeiras e médicos lhe inspiravam novo ânimo. Às 21 horas ouvia a campainha determinando silêncio para todos. Começou a achar bom ter de dividir espaço com tantas mulheres e ouvir tantas histórias que contavam umas às outras. Sentia menos ostensiva uma sensação de solidão. De abandono.

Agulhava-a ainda sentimentos de culpa. Crescia em seu íntimo a percepção da chegada de novos valores. Como se fosse uma voz amiga a lhe segredar sobre caminhos diferenciados da infância e da mocidade. Os pais, tendo que extrair de um solo duro e pouco fértil o pão de cada dia, eles não puderam prepará-la para lutar no mundo metropolitano em que teria de conquistar espaço.

Como seria sua vida após sair do hospital? Entendia estar fora de seus planos futuros ter família própria. Há tanta miséria no mundo, ela se dedicaria a outras pessoas. Vagamente pensava consigo mesma: Deus mostrará o caminho.

Sentiu-se reconfortada ao começar a andar pelos corredores do hospital. O sol, o oxigênio do jardim, a vida renascia.

Pediu a Anastácia que a levasse a uma escola que sabia existir a 50 metros da mesma rua, aquela que tratava de crianças excepcionais e com diversos tipos de deficiências. E na primeira visita que conseguiu fazer, sentiu-se como sendo impelida para rumos novos. Ali a esperança batia à porta. Tinha que aprender a lidar com sentimentos graciosos e inovadores. A alma humana tanto tem de corredores escuros e perigosos, quanto vales verdejantes a dizer-nos que jamais devemos fechar a porta da esperança.

Uma semana antes de obter alta hospitalar, Lia entrevistou-se com a diretora da escola para alunos deficientes. Expôs-lhe as razões para recomeçar a vida com atividades de doação e dedicação aos desprotegidos, e alienados. Desde logo recebeu um jubiloso convite para que ali trabalhasse como residente. No amor sempre há vida consertando e enriquecendo outras vidas. Assim como o mal fere o mal, o bem atrai e complementa o bem.

O tempo veio a confirmar o caminho que Lia intuitivamente escolhera para percorrer. Soube por uma colega de trabalho, que conhecia Dimitri, que ele fora preso e condenado a 20 anos de prisão. Pouco depois fora assassinado no presídio num choque entre grupos rivais de traficantes encarcerados.

Mas a sua decisão já estava tomada. Mágoas e sentimentos de culpa ficaram para trás. Adotou a família maior - a das crianças que nasciam aleijadas, paralíticas, surdo-mudas e ainda as que nasciam com algum tipo de aleijume devido a tentativas frustradas de aborto ou nascidas deficientes pela presença de drogas na gestação.

Ainda estamos longe de seguir pelo caminho que leva à perfeição. Os seres humanos tropeçam recorrentemente nas pedras do próprio egoísmo.

Certo dia, num passeio que fez à Gorski, Lia visitou uma médium que morava na mesma região de seus pais. E, durante a conversação, a médium Ana, encarando-a ternamente, disse com voz de alertamento carinhoso:

- Você teve um grande amor na sua vida, mas ele morreu dentro da mesma violência em que viveu. Você sofreria muito se tivesse unido sua vida à dele, porque no passado ele foi seu filho e, depois de tentar por várias vezes abortá-lo, a criança nasceu, mas você o abandonou. Numa próxima vida, você será a mãe amorosa e feliz de um bebê que nascerá com deficiências. O bebê será Dimitri reencarnado numa nova programação existencial.

Pela Lei Maior, que assinala os caminhos escolhidos por cada pessoa, é impossível que ocorram injustiças. Tal como o sol que nasce para todos indistintamente, a justiça também o faz. No decorrer das vidas sucessivas, vamos nos aperfeiçoando uns aos outros, é a isso que nos convida à indesviável Lei da Evolução que nos criam imortais, portanto, sempre protegidos pela Lei de Misericórdia Divina. E o que não conseguimos numa vida, conseguiremos em outra. Minha cara amiga, vivamos bem e felizes.

QUANDO O FALECIDO VOLTOU PARA VINGAR SEU ASSASSINO


Após a morte haverá uma Luz em teu Espírito

Com nomes fictícios o caso que vou contar é baseado na realidade e nas leis que regem a vida e o mundo. E aqui reproduzo o caso deveras estranho com o qual me defrontei em tantos anos de entrevistas com pessoas de toda linhagem durante esses atendimentos. Meu trabalho no Lar Irmã Esther era o de ouvir pessoas que perderam o rumo na estrada dos resgates.

Na primeira vez que encontrei Jean Pierre ele estava sob a tutela de sua avó Constanza. Ela dizia que o menino, com 7 anos de idade, andava muito nervoso, roía as unhas até sangrar e conseguira um canivete para brincar no bairro. Perguntei-lhe o nome, se já sabia ler e escrever e se pretendia usar o canivete. Respondeu corretamente, soletrou o nome e disse que tinha o canivete para brincar. Fiz então 2 ou 3 perguntas acerca do neto e Constanza resolveu explicitar o histórico do caso...

Jean Pierre era fruto da relação que seu filho Guilherme tivera com Veruska, que era viciada em álcool e cocaína. Seu filho trabalhava como tratador de cavalos vindos da Mongólia. Em certa tarde de horrores, no 5º ano de casamento, Guilherme apareceu morto com várias facadas no abdome. A polícia investigou frouxamente e o episódio caiu no esquecimento. A mulher juntou-se a um outro homem e, no ano seguinte ficou grávida de um casal de gêmeos que abortou por deficiência orgânica.

Na semana em que abortou viu claramente num sonho a expressão raivosa do ex-companheiro, aparecendo com gotas de sangue nas mãos, que lhe deu com clareza o seguinte recado: “Não importa. Na tua próxima gravidez, a criança serei eu!” Por dois dias ela sentiu-se intrigada com o sonho, mas pontuou que devia esquecer o pesadelo, que atribuiu ao estado de nervos que lhe deprimia nos últimos dias. E deixou que o tempo esfriasse o que para ela era apenas um pesadelo.

No ano seguinte sobreveio-lhe uma gravidez tumultuada, com seguidas tonturas e perda de sangue. A avó contou que ficou muito contente com o nascimento de Jean Pierre, um bebê frágil e de saúde precária.

Veruska, a mãe atribulada e fugidia não desejava a criança e assim ficou fácil doar o filho para a avó, que morava sozinha na casa da frente. A mãe viajou com o companheiro para o Nepal, a fim de servirem de guias para escaladores estrangeiros que se arriscavam a subir os picos gelados do Monte Everest.

Nos 27 meses seguintes à viagem de Veruiska, a avó gastou todas as economias que juntara no Banco, tratando das doenças que enfermaram Jean Pierre. Após o tratamento o menino ganhou peso até que, aos seis anos, entrou numa escola de aprendizagem alfabética. Não era um aluno esforçado, mas sendo perceptivo, cedo aprendeu a ler e a escrever.


O fator favorável na entrevista que mantínhamos era que Constanza se disponibilizava para a troca de conteúdos sobre o caso. Ela acrescentou: - Desde cedo Pierre interessou-se pela morte do filho. Ficava a ouvir detalhes como se fosse uma antena sensível. Num certo dia ele me disse: “Ninguém lembra, mas eu lembro!” Em outra ocasião disse: “Se não encontrarem quem foi, eu vou descobrir.” Aos 18 anos entrou para o exército e aprendeu a manejar armas. Quando dormia em casa, preferia conversar com pessoas que conheceram seu pai e souberam do episódio da sua morte. Continuou fazendo pequenas entrevistas até que uma noite, jantou na casa de um amigo, cuja mãe contou-lhe que na época morava na esquina da rua em que Guilherme apareceu morto, contou o que sabia, dizendo: - Não houve interesse policial na elucidação porque havia então uma guerrilha entre traficantes da região, e Petrov, o padrasto era chefe de uma das gangues. “Eu nunca quis envolver-me”, conta ela. Nunca ninguém tocou no assunto, mas vou contar já que tanto quer saber. O interesse por Veruska despertava rivalidades entre Petrov e Ivan, um viciado que traficava para sustentar a dose diária de cocaína. Meu marido e eu tínhamos então uma cantina que abastecia a demanda de Vodka. Certo dia um dos vendedores da boca de fumo próxima, me assegurou à boca pequena “ter certeza de que quem matou Petrov foi Ivan. Mas há outras versões. E Ivan, dois anos após o assassinato, amanheceu congelado numa rua deserta. É só o que sei sobre o caso.” Não era seguro especular sobre o fato até porque havia policiais que eram parceiros de traficantes.

Após várias visitas e contatos Pierre bateu à porta de um ex-integrante de milícias que executava traficantes. O sujeito, já envelhecido, recebeu-o desconfiado de que Pierre pertencesse a alguma gangue de agentes policiais. Mas Pierre pressentiu que estava chegando na pista certa e tratou de conquistar-lhe a confiança. Presenteava-o com Vodkas refinadas até que, na terceira vez que tocou no assassinato de seu pai, Orlof lhe segredou entre arrotos alcóolicos: “Quem enfiou a faca no ventre de Guilherme foi Petrov. Eu fui avisado por moradores vizinhos que ouviram a discussão entre os dois e logo depois avistamos o corpo tombado na calçada.” Pierre, embora impressionado, não se contentou com as afirmações de Orlof. Como grandes nuvens negras, duvidas pairavam sobre sua mente, embora sentisse que agora pisava terreno mais firme. Apenas pediu ao ex-militante que pudessem voltar a falar sobre a misteriosa morte do pai, no que obteve sua concordância.

Realmente, dois dias depois, Pierre voltara à casa de Orlof. Depois de uma calma conversa, o dono da casa se ergue da cadeira, vai até um velho armário e, em silêncio, mostra a Pierre um punhal de prata em cujo cabo de osso gravado bem nítido o nome Petrov e acrescenta: “Tome. Aqui você tem a arma que tirou a vida de Guilherme. Guardei-a em respeito a amizade que tínhamos. E acalme o coração. O tempo não volta. Guarde para si essa arma, mas sem revolta.

O que a maioria dos homens da Ciência ainda não percebeu é que, pela via da lei reencarnatória, ao longo das vidas sucessivas, de cada existência vivenciada, o Espírito conserva segmentos de uma memória existencial de vidas anteriores. Embora Pierre nada soubesse sobre a “lei das vidas sucessivas”, ele pressentia que já viera naquele ambiente de morte.


Agora Jean Pierre tinha nas mãos a prova que queria. Teria tempo para planejar a vingança. Na época Petrov e Veruska tinham arranjado emprego com melhores salários em restaurante no centro de Tóquio. Ele afiaria com vagar a lâmina do mesmo punhal que agora seria enterrado em Petrov. A vingança é uma consolação sombria para os corações exasperados ou rejeitados.

Nesse meio tempo, ele deu baixa do exército e voltou a morar com a avó. Caiu em funda depressão após a última visita a Orlof, mas nada dizia quando Constanza lhe perguntava sobre a causa daquela tristeza. Ela quis levá-lo a um psicólogo, mas Pierre resistiu. Ele remoía em silêncio as emoções que o deprimiam. Aquilo não era assunto para médico, refletia. E uma profunda e silenciosa melancolia abateu-se sobre aquela casa.

Dois meses de silêncio levaram Constanza a suplicar a presença da médium Vera naquele lar. E quando a médium surgiu à sua frente, Pierre recebeu-a com forçado sorriso.

Embora avisada acerca do real plano que Pierre arquitetava contra Petrov ela iniciou a conversação com tranquilidade. Falaram sobre o tempo, embora as ruas moscovitas andassem pigmentadas pela poluição, naquela tarde o sol brilhava glorioso sobre a cabeça dos apressados cidadãos.

A conversa já se alongava por quase uma hora quando afinal a médium fez a Pierre a essencial pergunta: “- E como estão os sentimentos de sua alma? Ainda lembra muito a morte de seu pai?” Lágrimas sentidas voltaram aos olhos do jovem. Ele não conseguia responder. Palavras trancavam a voz. Medo e muita insegurança. Embora apenas intuída mas temerosa acerca dos sentimentos ou propósitos de Pierre. Quem lhe colocara na alma um outro rumo na vida?

A médium, em transe, começou a falar-lhe: “- Pierre, está aqui ao meu lado, um espírito venerado e amigo, que tem algo a dizer.”

“Sabemos da tua profunda tristeza e desalento. Mas você é jovem e a vida tem que prosseeguir. Não se deixe derrotar pelo rancor. Quem te fala é um Espírito compassivo que tem orado constantemente, pedindo a clemência de Deus para os graves transtornos e desalentos na família.” A seguir o Espírito pede a Pierre: “Meu filho, põe a tua mão sobre a minha e vamos orar. Façamos isto”. Após rezar o Pai Nosso, sempre sob lágrimas de Pierre, o Espírito fala: “Nunca deves usar aquele punhal que conservas no guarda-roupa. Recebi licença do céu para revelar-te o segredo de tua existência. Ouça e guarda na mente e no coração: Já sabes quem empunhou a arma. Tempos depois, Veruska juntou-se a Petrov e, quando engravidou pela segunda vez, a criança que veio a dar à luz era tu próprio. E por isso, desde criança querias saber quem eliminou Guilherme, que foste tu na tua anterior reencarnação. Vieste para perdoar aquele que te tirou a vida, mas chegado aqui, o ambiente hostil que te recebeu, inconscientemente, armou em teu peito a vingança longamente acalentada.”

Houve então uma pausa mais longa. Pierre ativava uma saliva abundante na boca, ele mal conseguia assimilar aquelas revelações fortes que podiam transtornar o pensamento, agora mais temeroso. Refletia incredulamente: “Então Petrov matou-me? Pois se ele me tirou a vida, não deve ser punido por isto?”

Como quem tivesse assistido numa tela as contradições da mente de Pierre, o Espírito pausadamente argumentou: “Sou um Espírito e aprendi a ver com novo olhar as mazelas humanas. Demorei-me em aceitar essa aquisição porque saí da vida terrestre com profundas mágoas de pessoas e coisas. A vida mundana propicia muitos melindres e chagas no coração. Mas te digo Pierre, com a visão expandida: É perdoar não através dos lábios, mas com sentimento sincero.

Nada pude fazer por ti devido ao surgimento do rancor. Pensamento que estaciona no ódio é o que mais prejudica nos dois lados da vida. Deixa-nos cegos e sem rumo. Inobstante, há tempo. Se quiseres reforçar teu raciocínio de paz, te informo sobre um episódio anterior ao que agora sabes: Em encarnação anterior, quando tu e Petrov eram nobres no império Romanov, devido a intrigas de ambição sobre terras de fidalgos da corte Czarista, levaste Petrov à morte. E ele era teu sócio na exploração agrícola de camponeses maltrapilhos. Por aí podes entender que os dois assassinatos estão entrecruzados. O que os dois plantaram foi exatamente o que colheram. Bem, consumi o tempo que os Espíritos superiores me deram para que evites continuar no círculo cruel e primitivo de matanças intermináveis. Minha sugestão ou conselho é que, nos meses vindouros, antes do regresso de Petrov a esta região, converse com esta irmã que me recebeu mediunicamente, ouça as orientações que ela te dará, siga seus conselhos, ela quer a tua renovação. Abraço-te e vou orar por ti, meu bisneto do coração.”


NOTÍCIAS AO LEITOR:

Devido a uma pneumonia grave, Jean Pierre esteve em tratamento intensivo no Hospital Geral de Moscou. Constanza visitava-o a cada domingo, dando-lhe forças para que se recuperasse. A médium visitou-o por três vezes e, ao voltar para a casa da avó, Pierre conseguiu retornar à carreira militar e jogou a arma que mantinha guardada na fossa de um córrego próximo.

Pierre, não mais se encontrou com Petrov e este, após ter se separado de Veruska, após ferir a coluna num acidente de carro, foi abandonado por Veruska e afundou no hábito de entorpecentes até morrer.

O médium Chico Xavier, questionado por jornalistas da morte de cada pessoa, serenamente respondeu: “A morte de cada pessoa é sempre igual a vida que viveu.” A vida é governada por leis exatas e só a Luz nos livra de abismos que ponteiam a caminhada terrestre.