terça-feira, 3 de novembro de 2009

Susto ante um fantasma em Machu Picchu




 "Quando eu me dei conta, corria esbaforido, montanha abaixo!"


            Tempos atrás contei o caso que vivenciei em Machu Picchu, Peru, após uma viagem de trem de Cuzco àquela remota região montanhosa de 2500 metros. Formávamos um grupo de uma centena de turistas preocupados apenas em divertir-nos no célebre santuário dos sacerdotes incas que naquele lugar viveram e adoraram seus deuses e ilusões, centenas de anos antes de Cristóvão Colombo aportar na América. No grupo havia americanos do norte, do centro e do sul, além de europeus ávidos de conhecimento e aventuras. No restaurante do trem havia bebidas alcoólicas, sanduíche e pipocas. Descemos ao pé da montanha e subimos uma rampa de ônibus em avanços ziguezagueantes. Após a chegada no restaurante frente a ruazinha que é o pórtico de acesso ao santuário, em meia hora estávamos frente ao Templo do Sol, erguido de pedras como as demais casas, edifícios, muros e platibandas. Os guias avisaram-nos que ficaríamos ali por umas três horas. O trem de regresso à Cuzco sairia às seis da tarde.
           Eu não adivinhava o que estava para acontecer.
           Desabitado por vários séculos, Machu Picchu ainda retém em si o ar de santuário. Seu segredo são espíritos milenares que ali permanecem, como vim a saber depois, mas a curiosidade de saber onde ficava a porta original da cidadezinha, a porta que ligava Machu Picchu à Cuzco, levou a mim e a outros três visitantes a tentar escalar duas elevações montanhosas que ocultavam a histórica porta que recebia somente sacerdotes incas, as virgens do santuário e os servidores que cuidavam das lhamas carregadas de alimentos, cada uma conduzindo nas ancas 2 cestas com 34kgs de provisões.
            Na época o trajeto montanhoso, feito a pé, levava uns 6 dias e, para mitigar a fome, o cansaço e o frio das noites nevadas, todos mascavam folhas de coca. A folha de coca é inocente, o que não é inocente são os usos que dela se faz.

            Bem, do grupo turístico que galgou a primeira elevação, dois desistiram por cansaço e voltaram ao santuário. Quando eu e outro companheiro galgamos a elevação seguinte, meu companheiro ficou em pânico quando perdemos de vista Machu Picchu. Não entendi o que ele alegou em espanhol rápido, mas ele estava com medo que nos perdêssemos. Disse a ele que sim, que dispensava sua companhia, mas eu tinha que continuar. Imaginei que a procurada porta estava perto de nós, era só mais um esforço.
            E realmente, 10 minutos após avistei a aguardada porta de pedra, em estilo barroco. E continuei andando, admirado com o esplendor do céu colado ao cume nevado das montanhas circundantes.
            A surpresa entremeada de pavor me veio ao contornar a primeira curva do caminho dos incas. Quinze metros à minha frente, no lado esquerdo, enxergo uma pessoa vestida como sacerdote, na cabeça levava um tricórnio no mesmo estilo do portão que havia cruzado. No peito havia medalhas ou penduricalhos. Mas o que reparei mesmo foi o seu olhar interrogativo e inquisitório, como se estivesse me dizendo: “- O que você faz aqui? Saia logo antes que eu chame meus guardas.” A seguir sumiu, ou melhor, se desmaterializou. E eu não esperei um segundo para ver se entendia aquilo. Dei meia volta já em velocidade e me pus a correr com o coração aos pulos. Corri por uns 20 minutos até avistar nosso alegre grupo turístico. Arfava de cansaço e medo. O que era aquilo?! Eu não acreditava em espíritos, mas o cara tinha desaparecido mesmo. Passou-se um tempo grande e eu não conseguia entender o que ele me tinha dito só com aquele olhar furibundo, sem usar palavras.
            Anos mais tarde ingressei no Kardecismo e só então pude entender o ocorrido. Aquilo ficou gravado no meu inconsciente e então me foi explicado que o fantasma possivelmente era o espírito de um sacerdote e que talvez eu vivera naquele santuário por muito tempo nos cultos e sacrifícios dos incas. Aquele que surgira à minha visão era um sumo-sacerdote, e tanto este quanto outros sacerdotes ainda estavam ali guardando o templo desde os invasores de Pizarro quanto os baderneiros da era atual.
            Alguém me disse certo dia: “No outro lado da vida não existem calendários. Para muitos espíritos a duração de um único dia, pode durar 500 anos. As paixões humanas podem ter essa duração na mente dos alucinados que, por paixões compulsivas, perdem a noção do tempo e das vidas sucessivas.” O que percebo é que, principalmente nos sítios históricos, os visitantes se dão conta dos espíritos que ali permanecem, enraizados nos episódios que ali vivenciaram.

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